É inverno na estação, mas o calor e o trem não esperam a hora certa de chegar.
Vou à missa.
Corro com a culpa antecipada de não chegar a tempo do previamente calculado.
Num esforço sobre-humano chego antes do ponteiro.
Na plataforma vejo o trem indo... seguindo... por segundos... antes do horário.
Arrasto-me para um banco de ripas de madeira, por onde o sol certamente ultrapassaria e me projetaria vulto numa prisão.
Choro por mais uma vez não ter encontrado com Deus.
No trem, o maquinista, põe mais fogo na fornalha.
O calor é para ele aconchegante e ele já se sente em casa.
Corre sem se importar com aqueles quepossa ter deixado para trás.
Levanto-me sobre a ocorrência.
Sobre o banco, abro a bolsa e cato o dinheiro que me resta e aviso ao motorista do táxi que siga o caminho do trem, até onde o que dispunho pudesse cobrir a corrida.
Entreguei-lhe sem contar.
O motorista, notando minha apreensão, pegou um atalho, voltou a seguir o muro da linha do trem, bem mais adiante e me deixou na estação à frente.
Plataforma vazia.
Só eu.
E o trem antecipado, vinha a todo vapor.
Sem a intenção de parar.
Eu, só, não era motivo para ele parar.
Sem reduzir, colocando mais fogo na fornalha, deliciava-se com os estalidos e fagulhas, que como fogos de artifícios voavam pelo ar.
Eram como piscas-piscas que se confundiam com a data natalina, que o fazia correr para o lar, para da ceia compartilhar.
Só os parentes já lhe enchiam a morada; fora os amigos e vizinhos para beber até se embriagar.
Eram muitos os que se esqueciam do pequenino Jesus na manjedoura do lar.
E eu, só, lembrando do grande Deus, não conseguiria mais, a tempo, em sua casa chegar.
O maquinista obra pá pós pá,
Alimentando o fogo,
Criando o nosso inferno.
Negligente,
O maquinista atravessa o tempo para fazer história e eu,
Desesperançosa na plataforma a olhar.
O trem vindo alucinado vomitando fumaça no ar,
Adentra a plataforma esfumaçada e
O maquinista apita:
Piuiii...Piuiii...Piuiii...Piuiii...
Advertindo que não dá mais para frear.
A caldeira de ferro apita insandecida sem parar:
Piuiii...Piuiii...Piuiii...Piuiii...
Na penumbra que se forma me vejo só,
Com a minha vida nos trilhos.
Vejo no fim do túnel uma luz que cresce...
O trem transpassou apitando desarvoradamente por falta de tempo.
Tão rápido que nem Deus pode fazer milagre.
E assim tomei o trem.
No dia seguinte o rádio-despertador tocou a hora de sempre:
Pi, Pi, Pi, Pi...
Rádio Relógio do Brasil!
Pi, Pi, Pi, Pi...
Galeria Silvestre, a Galeria da Luz!
Pi, Pi, Pi, Pi...
Você sabia?!
Que muitas das vezes um segundo apenas é o suficiente para se salvar uma vida?!
Esse Natal não passei só.
Na luz do fim do túnel pude rever meus parentes e amigos, até mesmo meu cachorrinho Rex.
Constatei que rever os parentes no Natal é pura ilusão ou desilusão.
Não fui à casa do Senhor.
Por ter seguido por um atalho, não encontrei o caminho.
Blim...Blom...Blim...Blom...
Os sinos tocam numa igrejinha em frente a minha casa.
É uma gravação.
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